A pergunta que as pessoas costumam fazer é : - “
Se alguém se queixa de depressão, o que o psicanalista pode ajudar? Nós sabemos que se trata de uma conversa, mas o que se pode fazer de fato?”. O exemplo da jovem deprimida serve apenas como ilustração pois, a dúvida é o que se faz ao fazer psicanálise e psicoterapia.
Uma resposta bem simples seria dizer que a função do psicanalista sempre é de ajudar o paciente a identificar as razões de seu sofrimento, supondo que a ignorância das causas seja um dos fatores que causam e mantêm sua aflição. Obviamente, como os psicólogos, psicanalistas e psiquiatras sabem, não é essa a função primordial de um processo terapêutico. Levar o paciente a enxergar o que antes não era capaz talvez seja uma tarefa importantíssima da terapia, mas não a única.
Mas, voltando ao assunto e continuando....
Pergunta que nunca cala : - Quem busca psicoterapia ou psicanálise?
Resposta mais do que óbvia :
Quem está sofrendo.....
Claro que, atualmente, alguns indivíduos de poder aquisitivo mais elevado têm recorrido à psicanálise ou outro tipo de tratamento não porque estejam sofrendo, mas porque querem ser mais felizes, isto é, não querem deixar de ter desprazer, mas sim de terem prazer a mais, o que é uma demanda perfeitamente legítima. No entanto, essa parcela de pessoas não representa nem 1% de toda a clientela. Pois a maior parte das pessoas chegam aos consultórios queixando-se de dores da alma, que limitam sua capacidade de usufruir de uma vida que desejam viver.
O pedido que chega aos psicanalista, pode ser expresso a grosso modo da seguinte forma:
“Eu sou assim, mas não gosto de ser assim, pois acho que eu seria mais feliz sendo diferente, mas não consigo ser diferente. Portanto, espero que voce me ajude a ser diferente.”.
Na maior parte dos casos, há sempre algumas pessoas às quais o indivíduo (que busca psicanalise) atribui a culpa pelo seu estado atual infeliz: é o pai que nunca lhe deu muita atenção; o marido, grosseiro e irascível; a mãe que prefere a irmã a ela, enfim, a lista varia, mas há sempre um culpado por suas mazelas.
Evidentemente, não é preciso ser Freud para saber que essa atribuição de culpa é apenas uma estratégia empregada pelo doente para se livrar da responsabilidade por suas queixas, mas o detalhe é que, na maioria dos casos, o paciente não possui tal consciência.
Logo, quando alguém procura esse tratamento, além de sofrer, sentir-se limitado e querer ser diferente, essa pessoa espera que o psicanalista legitime o seu sofrimento, compartilhando com ela da crença de que fulano de tal é o responsável por ela estar como está.
Ou seja, o doente espera não só que o psicanalista o torne diferente do que é, mas que também o compreenda no sentido de que reconheça que seu sofrimento é razoável e justificado.
Portanto, diante desse cenário, o que deve fazer o psicanalista?
Escrever este texto tem me feito sentir uma sensação de estar “entregando o ouro para o bandido” no sentido de estar expondo de maneira acessível a qualquer pessoa o que numa psicanálise se encontra trancado a sete chaves na cabeça do analista. Não estou sozinha nessa inquietação: Freud também a sentiu ao escrever seus célebres artigos sobre técnica. E, como o mestre, prosseguirei nessa difícil tarefa de explicar o que faz um psicanalista..
Antes, porém, de dar seqüência a este escrito, gostaria de deixar claro que este post se trata de um relato pessoal e não um discurso institucional sobre o que um psicanalista deve ou não fazer.
Feita tal ressalva, retornemos ao que de fato nos interessa.
Sejamos sintéticos: o analista não atende a tal demanda. O fato do analista rejeitar a demanda por compreensão não significa dizer que ele seja alguém frio e insensível e que não se importa com o paciente. Não é nada disso.
Não ser compreendido é justamente o que o doente necessita, ou seja,
a postura “incompreensiva” do analista não é veneno, mas sim remédio.
Explico: é que a pessoa, quando resolve buscar a ajuda da psicanálise, já se compreendeu muito, já conseguiu estabelecer nexos causais para seu sofrimento e seu desejo mais imediato é apenas ter alguém que lhe diga: “Você está certa, eu te entendo, deve estar sendo muito difícil pra você enfrentar tudo isso.”. Metaforicamente, é como alguém que está numa poça de lama há muito tempo, de modo que já se acostumou com a sujeira, e agora seu desejo já não é mais o de sair da lama mas sim de arranjar um cúmplice que tope viver na lama consigo.
Se o analista atendesse a demanda de compreensão ele estaria encarnando esse companheiro.
Mas a função do psicanalista é outra: é justamente a de colocar em questão a vida na lama, dizendo:
“Eu realmente não entendo porque você está há tanto tempo nessa poça”.
É justamente ao ser confrontado com essa incompreensão que o paciente terá que se esforçar para fazer-se entender e tentar produzir um saber sobre aquilo que até então era óbvio.
É por isso que dificilmente um paciente ouvirá do analista uma resposta afirmativa a questões do tipo: “Ah, você sabe, né?”. Pelo contrário. Ao dizer “Não, eu não faço ideia” ou a perguntar: “Como assim?” a ideia é ajudar o paciente a chegar a um ponto tal que ele será capaz de discernir quão frágeis e tolas são as bases de sustentação do que até então lhe parecia tão sólido como justificativa de seu sofrimento, ou seja, o ponto em que ele perceberá que o saber que produziu é manco, constitucionalmente incompleto. Chegar a esse ponto costuma demorar anos de trabalho duro por parte do doente, justamente porque abdicar do peso das palavras ao mesmo tempo em que é libertador, é também desnorteante no sentido mais forte dessa palavra, isto é, o qualificativo de algo que provoca uma falta de direção, de norte.
A palavra compreensão comporta muitos sentidos, não apenas o de entendimento que está na base da demanda do paciente. Compreensão também pode ser pensada como sinônimo de acolhimento e é nesse e apenas nesse sentido que se poderia dizer que o psicanalista exerce compreensão. Todavia, levando em conta a confusão de significados, preferimos falar em acolhimento mesmo.
O analista acolhe. Acolhe a queixa, acolhe o sofrimento, acolhe o paciente. E acolher não significa pegar no colo, como muitos pensam. Acolher significa aceitar a demanda de ajuda como legítima, o sofrimento como real e se colocar à disposição para que o paciente efetue o seu trabalho de análise. Sim, porque quem de fato trabalha no sentido estrito da palavra é o paciente. A função do analista é muito mais modesta; é de estar ali como uma presença que o incita a continuar, como um objeto que deve ser usado para que o trabalho seja concluído. O único desejo permitido aos analistas terem na análise, é o desejo de que a análise prossiga…