Uma das características mais arraigada e típica do brasileiro, é a de dar palpites.
Um dos exemplos mais comuns, principalmente em tempos de Copa do Mundo, é o de que dispomos de milhões de técnicos de futebol com sua escalação pronta, milhões de comentaristas esportivos mundialmente famosos em seus bairros, comentando, criticando e evidentemente dando palpites, seja no bate-papo do escritório na hora do cafezinho, seja nas rodas de amigos do churrasco de fim de semana. Etc.
E o palpite escapa da área dos esportes e avança em toda e qualquer área do conhecimento.
Escolha o assunto: ciência, tecnologia, medicina, economia, educação ou das artes você pode conferir que encontrará um palpiteiro de plantão.
Existe até no ditado popular que “de médico, gênio e louco todo mundo tem um pouco”.
É evidente que todo o ser humano tem direito de expressar sua opinião; e esse é um dos princípios mais valiosos da democracia – a liberdade de expressão.
E dar opinião — seja uma avaliação crítica, seja uma sugestão de conduta, para citar apenas dois exemplos — que a título de conselho auxilia na resolução de problemas — constitui a meu ver, uma das principais conquistas da cidadania.
No entanto, tenho observado que muitos palpiteiros se contentam em apenas repetir as opiniões que apreendem do ambiente social — via senso comum — sem ao menos avaliar a veracidade dos fatos ou a validade dos argumentos.
Simplesmente isso: capta a ideia e a repete. Sem usar nenhum rigor crítico — ou mesmo — a mais elementar reflexão.
Nas palavras do pensador González Pecotche: “Pura clonagem mental”.
E o que é pior — considera aquela ideia como sua — simplesmente por que a repetiu.
É dessa forma que conseguimos perceber grassando ideias do tipo:
— É claro que eu vou votar em fulano, ele está ganhando nas pesquisas. Não vou perder o meu voto!
Ou
- Vote em ciclano. Ele rouba, mas faz.
E assim por diante.
Essa “clonagem de ideias” fabrica coleções de pessoas que atuam como massa e não como indivíduo.
E como vimos em nossos artigos anteriores — o ser humano que não quer exercer seu poder de crítica e de reflexão pode ser manipulado facilmente, seja pelos meios de comunicação, seja pelas ideologias que os patrocinam.
E esse poder de crítica e reflexão só é conquistado com o conhecimento.
E conhecimento — vale aqui salientar — não é simplesmente informação.
Na esteira desse tema, quero recordar o humor ferino de Bernard Shaw em sua citação:
“Não posso lhe dar minha opinião sobre este assunto; ainda não li os jornais!”
E no mesmo tom de Chomsky indagar:
- Será que minha opinião deverá ser sempre condicionada ao que querem que eu acredite?
E eis o maior perigo.
Quando a questão escapa do cotidiano, da nossa roda de conversa entre amigos e transcende para os campos do fazer, encontramos no palpiteiro de plantão a ilusão do conhecimento, que é muito pior que a ignorância pura, porque enquanto esta estabelece no indivíduo uma humildade que o faculta a aprender, aquela lhe arroga uma superioridade ilusória que o imobiliza em sua condição de precário conhecimento e o estabelece como um agente repetidor de disparates na prática diária de seu vaidoso proselitismo.
Não são poucos os palpiteiros que, por exemplo, se arrogam como sábios ou curandeiros que “receitam remédios” à revelia do conhecimento das Ciências Médicas, incentivando, por um lado, a automedicação, e por outro, a manutenção de crendices e superstições que muitas vezes refutam os tratamentos eficazes — que são rigorosamente avaliados pela comunidade científica.
É esse analfabetismo científico, que a meu ver, é a principal fonte de tantos disparates.
É o obscurantismo em sua forma mais doentia que ao mesmo que faz o indivíduo se comportar como massa de manobra, procura afastá-lo da luz do conhecimento, simplesmente fazendo com que ele negue sua capacidade de pensar e de sentir por si mesmo.
Para concluir, um sério convite: Que tal pensarmos rigorosamente sobre esse assunto?
– Porque afinal de contas, este artigo não deixa de ser — também — um simples palpite.
Fonte: hypescience
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