sexta-feira, 23 de agosto de 2013

DOENÇA DO NEUTRO

"A vida é ôca, a alma é ôca, o mundo é ôco. Todos os  deuses morrem de uma morte maior que a morte. Tudo está mais vazio que o vácuo. É tudo um caos de coisas nenhumas".

(Fernando Pessoa. "Livro do Desassossego", pg. 46, 1931)

Nihilismo. Mãe morta-viva. Afânise. Matriz Grupal Perversa. Dificuldades Técnicas no Narcisismo Negativo e Perversão de Transferência Misconceptiva


Prof. Dr. Luiz Miller de Paiva
Dra. Alina M.A. de Paiva



A pulsão de morte, pode, a nosso vêr, reduzir a zero as tensões vitais e ressurgir, renascida, tal como o Mito de Fenix - é o analisando que mata, simbolicamente, pais maus internalizados, exorcisa-os, e torna-se redivivo para recomeçar u'a nova vida, pois "suportar a vida é o primeiro dever de todo o ser vivente".
Freud (11,a) diz: "Nosso inconsciente é tão inacessível à representação de nossa morte, tão ávido pelo assassinato do Outro, tão dividido (ambivalência), em relação à pessoa amada, quanto o era o homem dos tempos originários".
A noção de pulsão (TRIEB) forma par com o instinto.
Trieb  e  instinct (oriundo do latim) têm o significado de  empurrar. A pulsão é de  composta em quatro dimensões: impulso, alvo, objeto e fonte. O impulso é o elemento motor da pulsão. Não há diferença evidente em instinto e Trieb (2); talvez, Trieb seja um sentimento mais de urgência (41), comportamento filogeneticamente adaptado; no homem, ego e id já diferenciados e nos animais, ego-id indiferenciados.
"Pulsão, em seu sentido próprio, no único sentido fiel à descoberta freudiana é a sexualidade, seu derivado metafórico-metonímico (25). Na pulsão na sexualidade humana, o instinto se perde na pulsão, e suas quatro dimensões  há, também, uma invariante, o fator econômico, que faz passar do instinto à pulsão.

Comete-se,  comumente, o erro de estabelecer de maneira exagerada elos entre pulsão sexual  e o objeto sexual. A pulsão existe independente de seu objeto. Esse objeto pode ser parcial. Tem-se atração genital por um indivíduo (pulsão), mas pode não haver amor para a mantença da ação. Freud (14,b), para expressar a relação entre o somático e  o psíquico, se  utiliza da metáfora que consiste numa espécie de "delegação" provida de um mandato que não seria, de maneira alguma, imperativo. Logo, uma excitação local, biológica, encontra sua delegação, sua  representatividade na vida psíquica,  como  pulsão.  Não sabemos se o somático é estritamente de  natureza química.

A fonte parece ser a articulação entre instinto e pulsão. As necessidades sexuais do homem e do animal se traduzem,  em biolo­gia, pela hipótese de uma "pulsão sexual" (14,c). Não são as pulsões sexuais, mas as pulsões  de  vida  que se opõem ás pulsões de morte, pois frente ao espectro da morte, o único adversário à altura, é Eros, figura metafórica das pul­sões de vida.
Nem sempre desprazer substitue o prazer, algumas vezes é o Neutro. Não é na depressão que devemos pensar aqui, mas na afânise, na anorexia do viver, no asceticismo e na indiferença emocional. 
A metáfora do retorno à matéria inanimada é mais forte do que se pensa, pois essa petrificação do ego visa a anestesia e a inércia da morte psíquica - é apenas u'a aporia (hesitação). É o morto-vivo próprio de certos estados esquizofrênicos. To­mar consciência do Neutro é estar indiferente às paixões humanas. O Neutro é a área desta imparcialidade do intelecto que Freud (14,c) invocava quando postulou a existência da pulsão de morte. Tal como a depressão é mais encontradiça na P.M.D., o neutro é mais frequente na  esquizofrenia, nas neuroses esquizomorfas e nos "bordelines", mas algumas vezes, ele constitue u'a doença especial.
O narcisismo negativo (15) parece-me diferente do  masoquismo; neste há um estado doloroso que visa a dor e sua manutenção como única forma de existência e, inversamente, o narcisismo negativo dirige-se à inexistência, à anestesia, ao vazio, ao branco(neutro). Este branco não investe afeto(indiferença), nem repre­sentação (alucinação negativa)e muito menos o pensamento (psicose branca).
Sabemos que um dos maiores obstáculos da comunicação é o narcisismo. É falso dizer que o nascer é um trauma, se constroe logo no exterior condições tão próximas da vida  intra-uterina - aí está a importância do holding, que não é outra coisa que uma fixação intra-uterina externa da criança (40). Outro nascimento (o segundo nascimento, para Green) (13) é a perda do seio que permite o nasci­mento do ego. Os indivíduos que sofreram intensamente as faltas básicas de Balint(5) podem sofrer de assexualidade (23), afânise ou indiferença.
Eles não querem ter sexo; trata-se de uma posição  defensiva e de fantasia de neutralidade construída com a ajuda de todos os recursos de um narcisismo in­temperante que carrega as marcas do despotismo absoluto de um ideal do ego tirânico  e megalomaníaco: "já que não posso ter tudo nem ser tudo, não terei, não serei nada" (15).

Esta fantasia pode ser elaborada sobre a percepção da fantasia materna que de­seja que sua criança não seja sexuada e nem viva, cuja salvação da criança se dá pela existência  do gênero neutro (sinal de obediência e, ao mesmo tempo, vingança contra ela) - é a aspiração do Nada (Nihilismo). O narcisismo negativo pode levar ao suicídio.

A libido é uma negatividade onde o nada se encarna e onde o desejo rea­liza-se como triunfo sobre a morte do desejo -  é o silên­cio  das pulsões de morte! O estado caótico é a desordem primária da auto-regulação.
Winnicott (44) nos alerta para os traumas muito precoces que atingem o bebê antes  que  este possa tomar consciência ou elaborar o que sucedeu, como se ficasse um vazio, um  estado de expectativa de algo que não chega a ocorrer. Nesta  falha fica um objeto morto (mãe sem afeto, morta-viva, impedernida e sem representa­ção interna na criança), que  pode  manifestar-se mais tarde por vivências de medo catastrófico.  Este sentido de aniquilamento pode, quando adulto, ser manifestado por sonhos terroríficos com animais selvagens (11).
Eles tornam-se hipersensíveis, "em carne viva" ou deficiência da "pele psíquica" e da falta, no seu mundo interno, da mãe bôa. O sofrimento psíquico deve ser sepa­rado da angústia porque os aspectos mais profundos do sofrimento permanecem latentes e ocultos por mecanismos de defesa. Daí compreende-se que certas rea­ções terapêuticas negativas devem ser reações de sobrevivência do sujeito deses­perado.
A ausência é da ordem do simbólico e pode ser pensada porque surge depois de um relacionamento, ao passo que  o  vazio é desordem real, da "coisa em si" ele corresponderia a  espaço interno onde se anula a possibilidade de aparecer a re­presentação do objeto (29). Segundo Malpique (29) a vivência do vazio pode cor­responder a um sentimento oceânico para anular o espaço-tempo, chegando a alucinação da imortalidade, podendo atingir os estado angustiantes de desperso­nalização. Como disse Hartocolles (apud Malpique) quando o tempo é vivido sem afeto, o afeto é vivido sem tempo, daí a sensação de estranheza e vazio (espaço povoado por coisas  inanimadas  - mãe morta-viva).
O vazio depressivo surgiria quando a elaboração da posição depressiva é precá­ria e o self sente-se ameaçado pelo abandono, ficando com grande dependência do objeto externo  (não tem capacidade de ficar só), daí a excessiva dependência do analista, como ocorre na doença do neutro (o analista torna-se portanto, um objeto idealizado na ausência, mas  na presença é desvalorizado e depreciado - um seio cheio na ausência e vazio, ôco e inútil quando se oferece. É a tentativa, se­gundo Malpique (29) de manter as imagos na animação  (mortos-vivos), nem mortos para não viver a culpa, nem vivos para não amá-los e sentir sua falta.
O vazio corresponde na clínica por um sofrimento subjetivo, descrito como uma sensação profunda de vazio interno, ausência, falta básica, não peito (o paciente diz: "me sinto morto em meu interior"), de um sem  sentido  (meaninglessness),correspondendo a uma não elaboração psíquica, No Zenbudismo, busca-se o vazio através do não-pensamento (assim  como  na prática mu­çulmana sufie) (27) o que torna difícil a sua prática para os ocidentais. Nestes paci­entes o fim da sessão, fim de semana ou férias são sentidos como abandono, com  angústias que, por vezes, as negam, pedindo remédios, livros, etc.

No sinistro freudiano cujo sentimento inquietante  de estranheza, não reconhecendo a própria imagem, etc., seria uma rutura do funcionamento mental, tipo de des­personalização. O vazio é, portanto, de dupla perspectiva, uma na origem do pen­samento e a outra como centro de uma patologia. Neste último caso, o vazio da falta básica, o não seio, converte-se "porque o seio está com o meu pai", o fan­tasma da cena primária, cuja figura combinada é sempre persecutória (6). Se­gundo Lopez Penaluss (27) o objeto transicional é um paradoxo da presença-au­sência, pois ele representa um  passo mágico para substituir o vazio ou ausência da mãe; é através do fracasso do objeto transicional que poderemos compreender não somente certas patologias, mas principalmente este vazio e suas terríveis con­sequências.
Tivemos um paciente, N.A. que, por falta de “reverie” dos pais (mãe morta-viva e pai indiferente) e  sentimento intenso de ter sido rejeitado, não conseguia amar. Casou-se por insistência da noiva, teve  poucas relações genitais (tendo 2 filhas) e jamais conseguiu dar afeto à esposa. Contudo, era eficaz em seu trabalho de en­genharia. Executava-o, todavia, mecanicamente.  A família residia em outra ci­dade, só a vendo no fim de semana. Sentia-se um morto-vivo, não se divertia, nem era alegre (mas não sofria de depressão); sentia-se inerte, apático (há qua­tro anos sem relações  genitais), com fadiga crônica, tendo discreto prazer em contestar, porém sem muita convicção e isso somente em se tratando de  emo­ções, sem apetite  alimentar, enfim,  em afânise, ou  melhor, com doença do neu­tro ou da indiferença.
O paciente parecia calculado para comunicar ou criar desespero e um sentimento de desesperança em si mesmo e no analista, embora, aparentemente, desejando compreensão. Ele parecia sentir satisfação em se castigar, em chegar  atrasado às sessões e repassava repetidamente os mesmos acontecimentos usando, de maneira muito sutil, o escárnio, zombaria e desprezo diante das interpretações. Todavia, tinha  atração pela vida e pela sanidade, não pensando em suicídio, mas só apreciava o lamuriar, tanto no diálogo analítico como em sua vida familiar e so­cial. Ele utilizava-se da defesa  maníaca de negação, não suspeitando na possibili­dade de prevaricação da esposa, embora há 4 anos sem relação  sexual. Na fadiga não foi evidenciado nenhuma infecção; as provas para a astenia neurocirculatória foram positivas com exceção da hipoglicemia.

O quadro abaixo esclarece melhor a distinção entre esquizofrenia, estados depres­sivos e doença do neutro:

QUADRO Nº 1

ESQUIZOFRENIA    

DOENÇA DO NEUTRO   

MELANCOLIA

Introvertido. Introvertido (discretamente) Extrovertido (períodos)
Perda do rendimento escolar. Estudioso. Perda do rendimento escolar
Diminuição da afetividade (frio) indiferente as penas e alegrias dos outros Indiferença ao amor e as penas alheias, etc. (Frio)  Sofre demasiadamen te com o sofrimentoalheio. Choro fácil.
Amor ambivalente.  Diminuição da libido.Desinteresse sexual   Diminue o desejo   sexual
Displicência ou vestes diferentes.Discreto ao se vestirEspalhafatoso na roupagem.
Paradoxal (ex: interesse súbito pela filosofia) Falta de interesse por tudo (não há vibração). sem paradoxismo. Perda de auto-estimaInstável. Perda de  auto-estima
Oposição e hostilidade à família e a todas as suas idéias. Indiferente ao que pensa a  família. Querelante sem   convicçãoAceita ou sofre  em não aceitar asadversidades familiares
Apetite alimentar diminue e estranho Perda do interesse sexual   Indiferente aos alimentos (não vibra ao degustá-los) Aumento de apetite. Diminue o desejo sexual
Conflito entre impulsos e proibição. Agressões absurdas  Indiferente aos conflitos.Discute sem se emocionar. Não agride. Qualquer conflito  gera sentimen tos culposos e  torna-se irritado
Tendência ao isolamento     Discute tendência do isolamentoIndiferente a família e  amigos  
Insociabilidade. Expressão de medo.Não procura novas amizades,  mas as recebe bem. Facies de insatisfação                   Dificuldade em ser sociável ou estado de agitação periódica.

 

QUADRO Nº 1-A

ESQUIZOFRENIA    

DOENÇA DO NEUTRO   

MELANCOLIA

Taciturno e passividade.Perda da iniciativa é cíclicaPassividade. Diminuição da   iniciativa.Sociável ao excesso por fases de retraimento
Astenia Neuro-circulatória, só nos casos simples e fases de hebefrenia.Astenia Neurocirculatória   (fadiga crônica crescente)Depressão  astênica.
Características obsessivas dogmáticas   rigidas, irônicas e oposicionais Correto, não é avarento, aprecia  uma discussão, porém semmuita convicção. Não há   tendência ao alcoolismoTendências ao alcoolismo.
Raptus suicida.   Não (esforça-se para viver). Frequente idéia desuicídio.
Delírios (paranóide, sensação de extranheza e alucinação). Não.   Raramente.
Não há demência e sim bloqueio do pensamentoNão (dificuldade de aceitar as as interpretações do analista, sem esperança, emboraaparentemente desejando compreensão).Não.
Mutismo. Respotas “de lado”Não (repetição compulsiva dos conflitos) Não (somente estupor depressivo)
Salada de palavras. Neologismo.Não. Não.
Escritos extranhos.     Não.Não.
Negativismo. Catatonia e Cenestopatias.Não. Não (negativismo psicótico).    
Despersonalização. Automatismo mental.Não. Raramente.
 A criança nasce  em um mundo de crédito hereditário inerente às preconcepções  e segundo o afeiçomento (attachment) que lhe dê suporte para o desenvolvimento e maturidade. As tarefas dos pais não são somente as de  serem bons  nutrido­res e sim as de habilidade de fazer a criança se ajustar  à  vida, com a formação de  precoce e  primitivo  alter  ego  somato-psíquico (segundo self). Se a criança falha ou  é incapaz de receber ajuda, terá um defeito de auto-autorização com foraclu­são, onde desaparece o ego corporal, ficando apenas o que  resta  do abandono, a vítima total da auto-abnegação, com  a morte da alma como um todo (destino  esquizóide -  pacto  de Fausto,  terrível  aliança  de  "elementos beta primários").
Essa condição origina um superego satânico  (tal como o trabalho  de Tausk - "Máquina de  influenciar  pensamentos"  na  esquizofrenia ou alter ego sinistro) (42).
Hulak e Lederman (19) referem-se a pacientes com um perfil especial: fantasia de não habitar o próprio corpo, carregando uma falsa existência que lhes foi imposta, apresentando falta de criatividade, somatizações severas, embora  desejem trata­mento e estar vivos; criados por mãe  pouco  afetiva e gerados indesejadamente ou por acidente. Diz um seu  paci­ente: "a maior dor que existe, é a dor de saber  que  perdi  o  que nunca tive".
Estes pacientes apresentam um  falso-self  que estes autores classificam de: 1) falso self suposto, que necessita  manter esta situação pelos ganhos secundários e com somatização de menor  monta; 2) falso ego imposto, que vive a tragédia  de não ser ele mesmo e luta para ser outra pessoa cujas somatizações são graves (no sentido de expulsar os objetos  maus), entrando em caos, mas pode se bem  tratada,  utilizar-se  da regênesis, isto é, busca repor a libido de volta para o id, afim de obter a chance de outro renascer, tal como a paciente de Lélia Cintra (Conferência na Soc. Brasil.  Psicanal., São Paulo, em 20 de novembro de 1993).
O indivíduo com distúrbio emocional primitivo pode tornar-se hipersensível às con­trariedades diárias - desregulação de afetos, produzindo mania, depressão, pâ­nico e vergonha. Segundo Grotstein (16) essa circunstância se dá por aparecer o "noise" que é o nada  sem  sentido. O nada primário inicia­do com o sem sen­tido primário  (meaninglessness)  constitui­riam os rudimentos de pré-concepções  e  pré-percepções espe­rando realização pós-natal e definiria o Nihilismo primário.  
O Nihilismo secundário seria o resultado de alucinações  negativas (não havendo seio, fica no  "buraco  negro").  Neste  caso, o discurso sobre si mesmo (self) e sobre  objetos  sem  sentido, torna-se distorcido e, bizarramente altera o contido com o sem sentido secundário - é o estado caótico (desordem primária da auto-regulação).
Há um ponto mediano entre psicose e narcisismo    borderline que sobrepuja a au­toridade e cuja parte do self ainda não se transformou em objeto bizarro mas sofre a "pressão moral" da personalidade, como ocorre no tipo A de personalidade (alexitimicos) (30,b).
O "ruído"  interno do  recém-nado é digerido pela capacidade de reverie da  mãe. Se  não  houver  reverie, haverá o splitting, isto é, não haverá uma representação  interna  do  "barulho" (noise) para poder manter uma boa estrutura. Se a identifica­ção projetiva é  tratada malignamente,  haverá a permanência do elemento beta, empobrecendo a vida  mental e exacerbando a personalidade psicótica. A falha em ligar as experiências com emoções correspondentes e alcançar significados é sinal de fracasso da função alfa (objetos bizarros produtos da inversão da função alfa).
Parece haver no indivíduo uma preparação filogenética para receber informações e responsável pelas pré-concepções (8). Com estas, estamos preparados para rece­ber experiências.
No recém-nado, existe uma série de estados desruptivos psico-fisiológicos da consciência que requer, por parte da mãe, interação harmônica.
Na personalidade narcísica, há uma deficiência de auto-estima que o indivíduo supercompensa com o uso da grandiosidade.
Stone (40) considera a hiper-irritabilidade da criança  como denominador comum de turbulência psicológica e neurobiológica, sugerindo que a criança tem uma pre­disposição mórbida;  os pais falhando na educação podem causar alteração no cir­cuito neural, o que irá produzir uma permanente alteração no comportamento.
A perda de segurança pode ser vista da seguinte maneira:
Exemplo: menino de 2 anos com febre, sonha com  cobras na sua cama, vai ao quarto da mãe e só se acomoda, aconchegando-se na barriga da mãe.
É a necessidade de contato (identificação pélica) (7).
Anzieu (3) fala na pele do ego do indivíduo sem segurança, que acaba experimen­tando a queda no buraco negro do nihilismo - é o estado de pânico crônico, como sói ocorrer na hebefrenia e como demonstramos através da alteração bio­química (30,c).
Em todos esses casos, o sentimento filicideo, a tristeza  da mãe e a  diminuição do  interesse pela  criança estão em  1º plano. O fato é que o deprimido sentiu naquele momento uma mudança catastrófica, verdadeira mudança mutativa no comportamento da imago materna, que é vivida pela criança como uma catás­trofe (amor perdido - trauma narcísico - perda de sentido), principalmente quando a criança se sente per­dida entre uma mãe morta e um pai inacessível, advindo o estado depressivo ou a doença do neutro ou da indiferença.
É o desinvestimento do objeto materno e a identificação inconsciente com a mãe morta e filicida. Este indivíduo  terá muita  dificuldade de reparação com a figura materna; poderá haver, quando muito, mimetismo, por não poder ter o objeto, mas continuar a possuí-lo, tornando-se não como ele, mas ele próprio. Estes indivíduos tem tendência à  neu­rose obsessiva com intenso poder de compulsão à  repe­ti­ção, repetindo defesa antiga. Aquilo que está totalmente inconsciente é a identi­ficação com a mãe morta-viva, daí os cerimoniais anancásticos, ou então somati­zações, tais como a astenia neuro-circulatória ou  fadiga crônica, ca­racterística da doença do neutro.
Dessa situação advém consequências como o ódio, sadismo maníaco, onde se trata de dominar o objeto, de maculá-lo e vingar-se dele, levando ao relaciona­mento com as pessoas a nível desesperador.
O nosso paciente N.A. teve, subitamente, um pensamento: "eu gostaria de assassi­nar 783 pessoas. Puxa, como estou louco". Posteriormente, pensando na  cabala desse número, concluiu-se: "eu quero me matar, pois era o meu número no colégio militar". Este insight veio mostrar como o ódio assassino existiu anteriormente e hoje em dia estaria voltado para ele mesmo.
Nestes casos advém, também, a excitação auto-erótica, não necessariamente acompanhada de fantasias sádicas, mas sim se uma reticência de amor ao objeto - bloqueio do amor, afânise.
Finalmente, esse indivíduo criado pela mãe morta-viva e filicida tem atividade fre­nética para o jogo dentro da obrigação de ganhar - ganhar a mãe-seio-bom, prin­cipalmente porque ele não tem amor à vida profissional. Pode ainda ter obrigação intelectual, isto é, obrigação de pensar para não sen­tir a mãe morta-viva ou na busca de um meio de  ressurgir da mãe morta-viva e assim acabar com a maldi­ção do morto-vivo e da dor psíquica. A compulsão à repetição é um  meca­nismo  letal que leva a vida psíquica à paralisia (regresso ao inorgânico).
A compulsão de repetição, como manifestação instintiva, ganha um tratamento diferente quando Freud (14,c) descreve a função de desfazer experiências traumáti­cas (aliás, a tendência de repetir, não é uma "compulsão", no  sentido psiquiátrico do termo). A escola Kleiniana (22) refere à compulsão de repetição, como parte do esforço de resolver ansiedades maiores, substituindo-se por outras menos  ate­morizantes. Vamos a um exemplo:
Este paciente, N.A., cujos sentimentos homossexuais muito recalcados, uma vez      frente ao analista-pai, se defendia com ódio, se projetava e apareciam idéias      paranóicas; estas  seriam as resistências de transferência e os sentimentos ho­mossexuais, o resistido. Para que este paciente melhorasse, foi necessário que ele       revivesce (e não repetisse) os seus sentimentos homossexuais, para com o pai,      na pessoa do analista.
O mito do eterno abandono (30,d) somente se torna real na medida em que repita um arquétipo, assim a realidade só é atingida pela repetição. O analisando neces­sita repetir a sensação de abandono, precisa agredir o analista; é uma repetição da cosmogonia, ou seja, a retomada do tempo no seu começo, é o exorcismo dos maus objetos, pois a nostalgia do paraíso perdido exclui o desejo de regressão ao paraíso da pulsão tanática. Para o mito do eterno retorno, a concepção heide­ggeliana acentua: "a verdadeira e rigorosa tradição é apenas uma repetição".
Não é esta repetição que é resistência,  mas sim im­pulso, constituindo a exte­riorização. Pines (36) encontra-a, com maior frequência, nos narcisistas borderli­nes.
Experiências nos mostram como os animais e, inclusive o toxicômano, necessitam  manter a  homeostase e o bem estar, através de certa taxa de dopamina.
A função reguladora é instintiva, constitucional, automática, não simbólica e não intuitiva, haja vista a mielinização do corpo caloso, só começa no 3º ou 4º mês de idade e coincide com a posição depressiva kleiniana; o indivíduo  parece vivenciar duas consciências separadas, bem como os dois  cérebros para processar os da­dos de experiências, um  hemisfério objetivo e o outro para a fantasia. No psi­quismo humano, pode ou não haver especificidade (estidade) (30,c), mas é psicos­somática na sua esfera de ação, com sinais e leis próprias. É separada da função simbólica e é regida pela homeostase de Cannon (12).
Pensamos, portanto, que a repetição compulsiva (similar ao impulso do obsessivo ou do toxicômano) é primária, em consequência da estrutura patológica do sistema nervoso (insegurança ontológica ou ego frágil) devido a fator  genético e exacer­bado nos períodos de molde, como sói ocorrer na foraclusão de Lacan (23); dai a dificuldade de se fazer psicanálise nas psicoses.
Aliás, Patterson (34) descobriu, através do "high-speed digital eletronic", que a imagem tomográfica do pensamento do esquizofrênico é diferente do indivíduo normal. É possível,  assim, explicar o distúrbio do pensamento e à foraclusão, difi­cultando a psicanálise.
Grotstein (16) cita: "a mente é mais abrangente que a mente neurofisiológica de Freud" e Junqueira (18) escreve: "inconsciente como continente de pré-concepções infinitas". São conceitos úteis para a compreensão das múltiplas facetas  da pato­genia das doenças mentais e psicossomáticas.
Grotstein (16) cita um exemplo de análise interminável, onde um indivíduo diz "não sentir o chão", continuando o sofrimento. Ele acha que nesse caso os psicofárma­cos poderiam melhorar essa situação. Os hipomaníacos precisam ser regulados na sua interação exagerada. O depressivo ou o da doença do neutro, ao  con­trário, procura o  objeto para piorar a sua disforia. No pânico, por estar no "buraco negro", o paciente fica inibido.
No ataque de agressão, o indivíduo tem parco controle de seu impulso (núcleo amidalóide), então ao tornar-se impulsivo está querendo regular o seu estado de impotência e vulnerabilidade. Os seus neurotransmissores (cefalina, endorfina, no­repinefrina, etc.) são estimulados para fazer com que o paciente possa reagir e enfrentar a fraqueza do ego.    
Os traços de caráter são psicodinâmicos (simbólicos) e por simples alteração nos neurotransmissores, levam à baixa ambição, encurtando os prazeres e exacer­bando o mau humor.
Eis um exemplo de distinção entre funções simbólicas e de regulação, citado por Grotstein (16):
J.H., advogado, casado há 20 anos, tendo 4 filhos, mantém o matrimônio e o traba­lho com prejuízo. Os sintomas apareceram depois do casamento da filha e de ter prevaricado, ficando mais agitado no trabalho, sob pressão, com  súbita  ansie­dade, medo da morte, como quando fez Bar-Mitzvah, por ter tido, nessa oca­sião, severa angústia de separação, tendo apresentado um estado hipomaníaco (agitação). 
Primeiramente apresentou uma neurose, explicada pela teoria psicanalítica,     se­gundo uma desordem psicobiológica de auto-desregulação, heredo constituci­onal (tara de P.M.D. e pânico). Está última persistiu apesar das interpretações di­nâmicas e repetidas feitas durante a psicanálise. O doente pode modificar-se "bioquimicamente", no decorrer das contínuas interpretações e insight.
As idéias de Lagache (24) têm  clara  inserção  nas  grandes teorias psicanalíticas e psicossomáticas. Ele classifica a transferência em termos de efeitos: positivos (hábitos do passado sugerirem associações livres) e negativos (aqueles hábitos que dificultam); não há distinção entre transferência e experiência.
Junqueira (20) refere o inconsciente com o  continente de pré-concepções infinitas e cita o exemplo de Shakespeare, antevendo que um  dia haveria algo como a psica­nálise!
Platão, nos Diálogos (37): "o que sempre conhecemos é imperfeito, uma pálida idéia do perfeito que antes conhecêramos".  Parece-me aqui os arquétipos Jungianos.
Podemos associá-los à Bion (9) sobre o pensamento sem pensador, pois a ver­dade não necessita de um pensador, ao contrário da mentira, isto é, o pensamento em formas de pré-concepção pré-existe ao pensador.
Sócrates (39) no "Diálogo com o escravo" faz com que este tome conhecimento de algo que ele já trazia dentro de si e desconhecia (dar a luz às idéias - psicana­lista bom é um MAIEUTICO!).
Segundo Lagache (24), a mente humana trabalha na procura  de certa integração. Isto é certo. Veja a homeostase e o conceito de auto-regulação de interação proposto por Grotstein (16).
No domínio da regulação  (ou melhor, da desregulação), persiste um alter-ego psi­cossomático (ou somato-psíquico), extra-territorial para a simbólica irresponsabili­dade e persiste o discurso sobre si mesmo. A transformação pré-simbólica de ex­periência cognitiva e emocional dos objetos (figuras) na  mente e no órgão, consti­tue o núcleo das desordens da auto-regulação.
O feto é capaz de relação de objeto (como uma forma em busca de continente). A comunicação feto-mãe é de base inconsciente ou mesmo telepática - é a identifi­cação projetiva que se faz presente dentro da mãe, e é a mais primitiva forma de comunicação - bases da teoria da comunicação. Junqueira (20) parte do pressu­posto de que o bebê nasce com a pré-concepção de uma coisa que irá satisfazer as suas necessidades de alimento, amor, etc. 
O tipo morto-vivo não tem traços característicos da depressão, mas está mais perturbado que o deprimido (é o caso do nosso paciente já citado). A mãe morta-viva é tão prejudicial como a mãe que abandona. Nestes casos, durante a aná­lise, aparece  a  depressão de transferência (15)  que  é oposta a neurose de transferência, pois ela é a repetição de uma depressão infantil (não se trata de perda real da mãe). 
Este tipo de depressão se dá mesmo em presença de um objeto, ele mesmo ab­sorto num luto (15); é causada por uma decepção que inflige uma  perda narcísica: infortúnio de  família, pai  que  abandona  a mãe, humilhação, etc. Estes indivíduos  (como  o nosso paciente N.A.) apresentam, durante a  análise  ou a grupanálise, uma perversão da transferência.
Na perversão da transferência há ataque às   interpretações. Se o analista inter­preta com mais vigor e severidade, satisfaz o masoquismo individual e grupal. O indivíduo ou o grupo põem em prova a tolerância do analista e perverte a situação analítica, por defesa, isto é, a maneira de  descarregar  de seus impulsos tanáti­cos. O grupo transforma-se em escoptofílico. A análise se desenrola em um marco de esterilidade.
O perverso não sente o chamado do instinto, só usa o intelecto e quando o sente (o seu instinto), é através de inveja e culpa. Não sente como desejo, mas sim, como ideologia; por isso a polemica lhes é vital (a teimosia do nosso querelante paciente N.A. em não aceitar as interpretações). O  perverso renega o  Nome do Pai e o substitui pela "Lei do Seu Fraco Desejo", impregnada de desafio, despeito e rebe­lião.
Perversão não é defesa contra psicose - é a própria psico­se.
A realidade torna-se enlouquecedora para quem vive em um mundo de alucinações negativas. Alguns perversos apresentam afânise, inveja  precoce, e sentem-se humilhados pelo progresso no tratamento.
Os pacientes desenvolvem, portanto, atitudes beligerantes para com o analista, para se protegerem de sentimentos de amor e carinho, isto é, de dolorosas conse­quências dos desejos infantis sexuais e agressivos. Além da referência na capaci­dade de amar, coexiste, também, a deficiência de  lidar com a verdade, o que pode resultar em auto-destruição.
Uma paciente desejava ter relações sexuais com o analista, para que, ao repetir este desejo, não recordar o seu desejo incestuoso, mas sim, para repetir, mesmo em lugar de recordar, certas  situações de sua infância, nas quais sentia-se marginalizada, excluída do triângulo amoroso; ela desejaria ser agora a primeira e pertencer a esse triângulo, na figura do analista. O resistido foi a vivência da cena primária, com angústias  paranóides.
O enamoramento com o analista seria a resistência a não recordar a sua ex­clusão do triângulo dos pais.
Outro exemplo: a paciente transfere ao analista a imago materna, para defender-se     da figura paterna. Devemos estar sempre atentos.
A idéia de Lagache (24) não aceita que a repetição compulsiva seja primária, isto é, que esteja a serviço do instinto de morte, pelo contrário, ele a aceita como se­cundária, pois o conflito estaria entre a necessidade, princípio do prazer e a reali­dade. Seria primária se houvesse uma  repetição  da necessidade. A experiência de Zeigarnik nos mostra  que interrompida a tarefa, há tendência ou  necessidade de  vir  a completá-la - a frustração resultante da interrupção, intensifica a neces­sidade de completar a tarefa  satisfatoriamente (20).
As experiências de Olds (33) mostram que o rato com eletródio no hipotálamo anterior, continua ligando os eletródios, para ter orgasmo contínuo, ao contrário, o estímulo do hipotálamo posterior causa desprazer; na experiência de  Justice (21): injeta-se cocaína em intervalos de 2', 5', 15'. Nos 15' de intervalo, a dopamina au­mentou. O rato ao escolher os intervalos, preferiu os de 5', pois nestes as taxas de dopamina apresentavam-se baixas.
Para alguns analistas, a transferência é resistência, predominantemente. O im­portante é utilizar o recordar a infância proibida, e a transferência é um instrumento  disso, embora o recordar possa encobrir o vivenciar (algumas vezes, as recorda­ções servem para disfarçar os conflitos atuais com o analista), e possa servir tam­bém, para evitar o perigo de se dissociar o passado do presente, por exemplo:
No paciente N.A., o pai mau do passado, superposto ao analista do presente, foi     repetição de antigas dicotomizações, que o analista não deve reforçar. O perigo é      não perceber o caráter de resistência de determinadas situações transferenciais.
Somente no analista é que o paciente poderá restaurar a confiança no amor, mas um analista que não use o silêncio, senão este silêncio vai perpetuar o luto branco da mãe. O doente-neutro se recusa a perder o objeto mau introjetado, a mãe morta-viva não irá para a segunda morte. O terapeuta não poderá desanimar, pois tem que enfrentar a mãe fálica, a hidra de Lerna, na qual para cada cabeça cortada aparece outra.
A perícia capital está na matriz  simbólica do Édipo, permitindo que o paciente con­siga formar a Santíssima Trindade: pai-mãe vivos e  filho sem inveja e amado; de­verá haver uma revivescência e não uma reminiscência.
Com esta conduta interpretativa, a análise pode ser terminada. Quando o indiví­duo consegue fazer sua mãe morta-viva transformar-se em objeto-vivo, inte­ressando-se pelos seus afazeres e por ter conseguido não ser invadido pelo afeto da revivescência (não domesticando as pulsões e nem consentindo no luto ma­terno), o trabalho analítico não mais conduzirá ao vazio, ao neutro, branco, mas sim à tarefa de não mais nutrir a mãe morta, assim como a  não manter o analista como morto-vivo. Por esses motivos é que o analista deve não abusar do silên­cio no setting terapêutico.
O analisando ou doente neutro nutre o analista com a análise, não para viver melhor fora dela, mas para prolongá-la, tornando-a interminável.
Diz Green (15): "O analista deve então interpretar para o paciente que tudo se dá como se a atividade dele visasse apenas fornecer a oportunidade de interpretar menos para ele mesmo (paciente) do que para o analista, como se fosse o analista que tivesse necessidade do analisando, ao contrário do que acontecia antes".
Pensamos que o combate a esta mãe morta-viva  e filicida (pulsão de morte) deva-se fazer pela atitude do terapeuta apoiando-se no Eros Terapêutico, compre­ensão, firmeza, afeto e reverie, mas principalmente, pelo tipo de comunicação fa­lada; aliás, no dizer de Anzieu (3) no "banho melódico".
Neste banho melódico firma-se o processo de introjeção de objeto bom, condição "sine qua non" para fortalecer o ego do indivíduo contra as angústias, fantasias conscientes e inconscientes e vicissitudes da vida.
Na lenda grega da ninfa Eco, observa-se o elo entre a emissão sonora e a exigên­cia de amor.  Narciso, a nosso ver, apresentava uma doença do neutro, pois por estar fixado em uma mãe morta (no espelho do lago) jamais pôde  aceitar o amor de uma mulher - não teve eco libidico!
Constrói-se parte das formulações sobre o desenvolvimento emocional do indivíduo, utilizando esse modelo que assim nos mostra a prevalência do "espelho sonoro" sobre o "espelho visual".
Diz  Anzieu  (3):  "antes que o olhar e o sorriso da mãe que alimenta e cuida produ­zam na criança uma imagem de si  que lhe seja visualmente perceptível e que seja interiorizada... o "banho melódico" (a voz da mãe, suas  cantigas,  a  música que ela proporciona) põe à disposição um  primeiro  "espelho sonoro" do qual ele (o bebê) se vale, a   princípio por seus choros (que a voz da mãe acalma como res­posta)depois por seus balbucios e, enfim, por seus jogos de articulação fo­nética...
Procuramos demonstrar em trabalho anterior (30,b) como o modo de falar dos por­tadores de perfil A já é um índice para a tendência de um ataque de infarto do mio­cárdio e provável morte precoce porque não tiveram bons "períodos de molde", isto é, foram educados por pais preocupados, afobados e irritados, fatores estes que predispõem à hipertensão arterial.
A importância de uma boa comunicação fonética do terapeuta, tem como base a necessidade do paciente de reviver os seus primeiros contatos com a mãe, haja vista a recuperação da fala em esquizofrênicos catatônicos (com 9 anos em  mu­tismo) após o ensino diário de língua não materna (31); parece-nos que a língua materna produziria revivescência extremamente desagradável.
Por esses motivos, o terapeuta não deverá se esquecer que o feto reage com preferência ao som do batimento cardíaco da mãe, assim como, ao seu tom de voz - que sutis, são imperceptíveis trocas. O mesmo ocorre durante o tratamento ana­lítico ou grupanálise.
Segundo Junqueira (20), quando um homem encontra o seu analista, transfere para ele características que foram  uma vez conscientes e pensadas em relação a algum membro da família. Isto é repetição do passado! Uma transferência sob o guante do instinto de morte, leva a eterna compulsão à repetição.
O conceito de Junqueira (20) sobre transferência misconceptiva é o  da  identifi­cação  projetiva excessiva  precursora  desse tipo de transferência (parte psicó­tica, o analista irá transformar os elementos beta, alfabetizando-os).
O interessante é que, prevalecendo a parte neurótica, o sujeito necessite saber, mas, ao mesmo tempo, teme  a  mudança catastrófica e, assim, o seu ego camu­flará o material.  Após solucionar a transferência misconceptiva, o paciente vai co­meçar a saber o que é ser grato, porque ter gratidão é um dos dois pilares da maturidade. O outro, é humildade, pois o sábio sabe que não sabe... Por isso é que há  pouca gente amadurecida, assim como, muitos  analisandos ingratos e ar­rogantes; todavia, o terapeuta deverá estar sempre preparado para tratar o narci­sista negativo ou o doente do  neutro ou da indiferença.
Por outro lado, se o analista não tem insight de sua contra-transferência pode cair nos fenômenos de contra-identificação projetiva (Grimberg) e bloquear o avanço do processo analítico.
Os vínculos, segundo Bion (9) L e K se reforçam e faz sentido dizer que a primeira forma de conhecer é amar como a primeira condição para ter esperança é ter sido amado.
A resistência ao processo analítico (K - O) é decorrente de que, a verdade sobre si mesmos (chegar a ser O) conduziria à mudança catastrófica (ser vazio ou estar ausente e indiferente).
O trabalho do analista diante de um doente neutro é diferente. Estamos com Lopez-Penalver (27), quando diz que se o analista não se encontra em estado de atenção flutuante, pois não havendo associações livres, não haverá um reprimido, não é questão de conflito senão de rutura. Giovachini (apud Lopez-Penalver) (27), escreve que quando o analista é capaz de aceitar o vazio sem buscar enchê-lo, poder-se-ia alcançar o que está ausente no paciente, é a poesia chinesa:
"Um dia um velho sábio chinês perdeu suas pérolas.
Mandou, pois, os seus olhos buscá-las
mas os seus olhos não as encontraram.
Mandou, então, os seus ouvidos  procurá-las,
mas os ouvidos tampouco as encontraram.
Mandou, também, as suas mãos, tudo em vão.
Assim, mandou todos os seus sentidos na
busca, porém nenhum deles as encontrou.
Finalmente, mandou o não buscar buscar as pérolas.
Assim, o seu não buscar encontrou as pérolas".
                                   H. Racker

A  interpretação  pode  ajudar não a encontrar a recordação, mas  sim  em  permi­tir reviver experiências que não poderiam ser elaboradas é o que já denominamos de revivescência e não reminiscência. É a utilização da comunicação de inconsci­ente para inconsciente e assim criar vínculos onde eles não existiam, chegar ao vazio significa pensar.
O vazio se apresenta em muitas das neuroses e doenças psicossomáticas, porém quando ele está  muito acentuado ou desorganizado, teremos a doença do neutro.
Auto-regulação é, segundo Grotstein (16) uma nova ordem  de função mental, que segue os sinais, melhor que os signos e símbolos. O  cimento da auto-regu­lação é melhor compreendido pelas teorias: deficiência do afeiçoamento ou apego (attachment), de Bowlby, na espécie humana (Harlow para os macacos e Hofer, para os ratos), falta básica de Balint (5), desprazer da incompetência e da vergonha (de Lynd) (28), identidade adesiva de Bick-Meltzer (5), holding e capacidade de transacionalização de Winnicott (44), objetos bizarros e reverie de Bion (9), background deficitário ou núcleo das desordens de autoregulação de  Grotstein (16) (nihilismo  primário, caos e buraco negro), ego esburacado de Ammon (1),  corps morcelés de Lacan (23), pele do ego de Anzieu (3), seio bom e mau Kleiniano (19), mãe esqui­zofrenogênica de Arieti (4), estados de entranha­mento de Mario Pacheco  (38), teoria dos sistemas de Bertalanffy (7) (a criança é regulada  e regula a mãe); enfim, todas elas tendem a explicar a influência  externa  (ambiental) em indivíduo  geneticamente predisposto (insegurança ontológica e transgeração ou psicose da 3ª geração) (30,c).
Além dessas influências maléficas nos períodos de molde, temos ainda as con­cepções de mensagens bruxas e contraditórias, Lei Paternal, foraclusão de Lacan (23), a situação infra-familiar de Lidz (26) (estrutura secreta da família e divórcio emocional),a pseudo-mutualidade (hostilidade) de  Singer e Wynne, que irão exacerbar os traumas já  existentes desde o nascimento. Psicose, narcisismo negativo e doença do neutro são, portanto, um estado caótico, pela desor­dem  primária de auto-regulação e disfunção simbólica, e hiper-irritabilidade do sistema nervoso.   
Segundo Grotstein (16), "psicose não é desordem por excessiva irrupção do ego - é desordem do id, com um  defeito do ego, por processo primário e secundário, for­mando objetos bizarros". Outrossim, ele acha que os conflitos são solucionados através da resolução (dialética) e as deficiências (Teoria deficitária) somente são resolvidas pela auto-regulação interacional.
Um aumento da entropia (desordem) dentro do caos, faz com que nos sistemas desorganizados apareçam rapidamente as transformações - uma nova ordem ma­terializada, com propriedades  de  controlar o sistema anterior. É isto o que se pro­cessa na evolução do paciente portador da doença do neutro.
Usandivaras (43) pensou que acontece com duas moléculas do mesmo átomo (isto é, cada 2 átomos de uma molécula, desintegrados, mantêm a posição original do eixo, enquanto movimentam-se ao lado, e tendo cessado a interação). Seria  similar ao que ocorre com os analisandos ou com membros de um  grupo analítico.
O conhecimento dessas teorias e das novas técnicas de transferência são indis­pensáveis para o grupanalista ou psicanalista, pois sabendo manejá-las adequada­mente e se utilizando  de muito Eros Terapêutico, reverie, empatia, bom senso, poderá, principalmente, através da normalização do corpo caloso, humanizar a lateralização dos hemisférios (30,c), em aspectos  dioniziano e apoloniano de nossas vidas; assim poderá conter, também, as pulsões de morte do paciente, fazendo-o ressurgir das cinzas... e ter a capacidade de escutar  Éco (mudança do nada ao ser, o devir aristoteliano e hegeliano) e abandonar o NEUTRO, o CAOS, o SEM SENTIDO, a ASPIRAÇÃO  DO NADA, NARCISISMO NEGATIVO, INDIFERENÇA,  enfim,  o NIHILISMO (aniquilamento).

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