Durante a Antiguidade e a Idade Média os surdos
não eram considerados seres humanos competentes.
Essa idéia era
decorrente do pressuposto aristotélico de que o pensamento não
podia se desenvolver sem linguagem e que esta não se desenvolvia sem
fala. A comunicação através de conceitos era reconhecida como uma
forma privilegiada de manifestação da inteligência e, esta, só
seria manifestada a partir da fala. Assim, quem não ouvia e não
falava oralmente também não pensava. Sem estas condições
inerentes à inteligibilidade humana e considerados como isentos de
processar as faculdades mentais, os surdos, eram vistos como
“imbecis”, sendo-lhes negado os direitos: legais, isto é, não
podiam fazer testamentos e necessitavam de curadores para os negócios
que herdavam; religiosos, pois acreditava-se que as almas dos surdos
não podiam ser imortais, porque eles não podiam falar os
sacramentos; educacionais, pelo fato de que os surdos, sendo vistos
como sujeitos desprovidos de razão e de lógica de pensamento eram
considerados também como indivíduos desprovidos da capacidade de
apreenderem a educação; afetivos, pois não podiam se casar para
evitar a reprodução, entre outros.
Havia uma crença que a única forma de cura da
surdez era através de milagres conforme mostra a Bíblia em uma
passagem do evangelho de São Marcos (7:31) “... trouxeram um homem
surdo e com um impedimento da fala e suas faculdades de ouvir foram
abertas e o impedimento de sua língua foi desatado e começou a
falar normalmente”. Então, somente através do milagre divino o
surdo seria humanizado.
Os sinais não eram considerados como língua, mas
como gestos primitivos. No final da Idade Média com o rompimento do
isolamento feudal teve início o intercâmbio com vários povos,
resultando no encontro de surdos e na formação de comunidades de
surdos e, conseqüentemente, no desenvolvimento da língua de sinais.
A limitação inicial no relacionamento dos surdos entre si era
decorrente, entre outras, de suas características lingüísticas
diferenciadas, associadas ao isolamento a que se viam relegados, em
relação à sociedade. Estas condições apresentaram considerações
relevantes no processo de constituição cultural e linguística das
comunidades surdas. A primeira delas e, sem dúvida, a mais singular
é a criação de um instrumento comum de comunicação, ou seja, a
criação de uma nova língua – a língua de sinais.
A segunda, até certo ponto determinante na
construção da identidade cultural das comunidades surdas, foi
aquela que englobou a adaptação do surdo a sua peculiaridade,
explorando os recursos disponíveis, destinados a sua sobrevivência.
Essas situações novas exigiram, entre outras, a criação de uma
organização social que mobilizaram todas as forças do grupo, em
busca de solução para um projeto que se tornou coletivo. Essas
diferenças foram estimuladoras da criatividade, da socialização de
saberes, permitindo o acúmulo de avanços, no interior de um
universo isolado. Entretanto, essas trocas culturais exigiram
adaptações, a partir do tipo de organização trazida como bagagem
cultural, com uma cultura já estabelecida e dominante na sociedade –
a cultura ouvinte. Em outras palavras, as diferenças
lingüístico-culturais que marcaram os surdos em relação aos
ouvintes, permitiram aos mesmos um acervo comum de conhecimentos que,
os levaram a uma adaptação na sociedade, sem perder de vista suas
características próprias. As diferenças do ambiente, do qual
procediam ao acervo comum de conhecimentos, possibilitou a
articulação de elementos diferentes, que se combinaram numa espécie
de síntese, para a qual convergiram as características próprias
dos surdos, mobilizando forças em favor da cooperação, de atitudes
comunitárias, de ajuda mútua, da solidariedade e do fortalecimento
recíproco. Foi um período fecundo de construção interna, na qual
muitos dos elementos da cultura tradicional (ouvinte) não se
revelaram adequados às condições que foram se estabelecendo na
cultura surda, havendo, pois, a necessidade de serem criados outros,
para substituí-los, ao lado daqueles que foram mantidos.
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